domingo, 27 de janeiro de 2013

Entrega


Não há outro sentido na vida senão a entrega. Viver na solidão é parte da descoberta, mas só nos descobrimos por completo quando tentamos dividir nosso mundo com alguém.

É tão difícil se abrir. É tão difícil mostrar o que tem dentro de nós, naquela parte mais escura da alma. Existe o medo, o receio, a auto-rejeição. Mas se não tentarmos, nunca saberemos de fato.


Por hoje é isso.

quinta-feira, 13 de maio de 2010


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Cecília Meireles

sábado, 3 de abril de 2010

Tabacaria

    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

    Janelas do meu quarto,
    Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
    (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
    Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
    Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
    Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
    Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
    Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
    Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

    Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
    Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
    E não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

    Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Gênio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim...
    Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
    Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
    Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
    Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
    E quem sabe se realizáveis,
    Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
    O mundo é para quem nasce para o conquistar
    E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
    Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
    Ainda que não more nela;
    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
    Crer em mim? Não, nem em nada.
    Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
    O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
    E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
    Escravos cardíacos das estrelas,
    Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

    (Come chocolates, pequena;
    Come chocolates!
    Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
    Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
    Come, pequena suja, come!
    Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
    Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
    Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

    Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
    A caligrafia rápida destes versos,
    Pórtico partido para o Impossível.
    Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
    Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
    A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
    E fico em casa sem camisa.

    (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
    Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
    Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
    Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
    Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
    Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
    Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
    Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
    Meu coração é um balde despejado.
    Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
    A mim mesmo e não encontro nada.
    Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
    Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
    Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
    Vejo os cães que também existem,
    E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
    E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

    Vivi, estudei, amei e até cri,
    E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
    Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
    E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
    (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
    Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
    E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

    Essência musical dos meus versos inúteis,
    Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
    E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
    Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
    Como um tapete em que um bêbado tropeça
    Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

    Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

    Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
    E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
    Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
    E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

    Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
    E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
    Sigo o fumo como uma rota própria,
    E gozo, num momento sensitivo e competente,
    A libertação de todas as especulações
    E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

    Álvaro de Campos, 15-1-1928

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A mente vazia...

Não quero estar melancólico, isso me enjoa! Tem tanta coisa passando pela minha cabeça que preciso colocar pra fora, mas evito o máximo. Minha ansiedade me faz mergulhar num mar de pensamentos sobre coisas que nem existem ou aconteceram, me faz querer tudo logo e saber que isso não é possível me irrita e desanima.

Acho que estou precisando urgentemente arrumar algo pra fazer! É isso...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Fim de temporada


O ano de 2009 foi um ano de mudanças. Eu sabia que dali pra frente minha vida seria tão diferente, mas não sabia o que esperar.

Agora, em 2010, vejo melhor para onde todas as mudanças que começaram em 2009 estavam me levando. Aos poucos tudo foi mudando e tomando novos lugares, o que não significava o fim, mas apenas uma história diferente. Me senti no final de temporada de um seriado. Meus pais se mudaram, sai de casa para morar com meu amor, fui trabalhar em outro lugar e nessa reviravolta a família que era tão grande e todo mundo numa casa, de repente se separou e ficou cada um pra um lado.

Eu queria tanto sair de casa e ter minha liberdade e não sabia o quanto eu sentiria falta de algumas coisas. Não que eu queira voltar atrás, estou contente e lutando com meu amor para construir nossa vida. Mesmo que eu quisesse, cada um foi pra um lado, nada mais seria igual.

Sinto falta do meu irmão, sempre fizemos tudo juntos: escola, amigos, passeios, faculdade... Quantas vezes não cabulamos o cursinho e fomos tomar café no Starbucks até as 10h, então íamos para o Eldorado dar umas voltas? Ou então quando eu aproveitava que ia fazer banco e levava minha mãe no supermercado dentro do shopping?

As madrugadas em claro assistindo American Pie, Eurotrip e alugando vários flimes tentando encontrar os melhores. O sonho de um dia montar uma banda e fazer sucesso. Assistir The O.C. quando chegava da faculdade, devorando as quatro temporadas em um mês! Ir juntos para o cursinho e desistir na Alameda Santos, indo direto pro Starbucks. Os fim de semana repetitivos no shopping, no roteiro de bater perna, cinema e Mc Donald's. Buscar a mãe na Usp depois da faculdade... Tantas coisas que foram tão cotidianas que nem percebi que seriam momentos marcantes!

Posso estar sendo exagerado e dramático, mas quando sai de casa me senti no último episódio daquela temporada de minha vida. Eu já quase não morava mais ali, mas estava lá praticamente todo dia, minhas coisas estavam lá. Levar tudo embora tornava a mudança algo mais definitivo: saí de casa! Minhas coisas não estariam mais lá, minha volta ali seria como visita! Olhei meu quarto sem minhas coisas, o computador, a cama, andei pelos cômodos e me despedi.

Estou feliz com minha vida hoje. Moro com alguém que amo e quero construir uma vida junto. Temos nossos bons e maus momentos, mas a vida está começando e temos muito pela frente ainda! Como eu disse, no fim de uma temporada a história muda, mas não termina. E assim a vida vai se desenrolando, cada momento sendo único e passando num ritmo de nos fazer viver e só reparar no que vivemos um pouco mais adiante...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Para meu amor


Segure minha mão, tome fôlego,
Me puxe para perto e dê um passo

Mantenha os olhos presos nos meus

E deixe a música te guiar


Quero que me prometa

Agora quero que me prometa que você nunca vai esquecer

Que nós vamos continuar dançando
Não importa o que aconteça

É como ser atingido por um raio
As chances de encontrar alguém como você
É uma e um milhão

As chances de se sentir como nos sentimos


E a cada passo juntos nós ficamos melhores

Então, você me concede esta dança?
Você me concede esta dança?

Você me concede esta dança?

Segure minha mão, eu te guiarei

E toda volta será segura comigo

Não tenha medo de cair

Você sabe que sempre te segurarei


Você não pode nos separar

Mesmo a distância não pode nos separar
Porque meu coração estará onde você estiver


É como ser atingido por um raio
As chances de encontrar alguém como você

É uma e um milhão

As chances de se sentir como nos sentimos

E a cada passo juntos nós ficamos melhores

Então, você me concede esta dança?
Você me concede esta dança?
Você me concede esta dança?

Nenhuma montanha é tão alta
E nem oceanos são tão selvagens
Porque juntos ou não

Nossa dança não vai parar


Deixe chover, deixe fluir

Pelo que temos vale a pena lutar

Você sabe que acredito

Que nascemos um para o outro


É como ser atingido por um raio
As chances de encontrar alguém como você

É uma e um milhão

As chances de se sentir como nos sentimos


E a cada passo juntos nós ficamos melhores

Então, você me concede esta dança?

Você me concede esta dança?
Você me concede esta dança?

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Vida, a série


Vez ou outra escrevo algo no fotolog que, na verdade, gostaria de blogar.

As vezes fico pensando como seria se nossas vidas fossem trasnformadas em seriados, cada um com seu próprio onde seria o protagonista.

O espectadores veriam coisas que não vemos: reais intenções das pessoas a nossa volta e essas coisas... Depois veriam como agimos em cada situação, o que pensamos e achamos - e eles saberiam disso, claro. Então como eles julgariam nossos pensamentos, atitudes e comportamento? Seriamos os mocinhos ou vilões? Os queridinhos da série? Os despresados? Odiados? Compreendidos? Quantas temporadas durariamos?

Dizem que quem vê de fora vê melhor e as vezes isso é verdade. O espectador vê detalhes que não enxergamos, ou enxergamos muito tarde...